terça-feira, 12 de junho de 2012

Era uma vez... (12)

 Antigas manhãs com neblina

Senhora,

Estou chegando...

Sim, achei os envelopes que voltaram enquanto você partia... São quatro:

            01 - As manhãs de agora têm brindado minha saudade com uma neblina daqueles dias. As festas se foram e não temos mais a quadrilha consentindo minhas mãos em tua cintura, nossos dedos entrelaçados; as carícias e o encantamento de nossos olhares…
Estou estranhamente tranquilo, aqui, sozinho, varrendo os subterrâneos da memória; tirando o pó, colocando toalhinhas de linho branco (engomadas pela esperança) sobre as estantes do pensamento… Aonde colocarei tanta coisa, meu Deus?!
Na estante que separei pra você, coloquei uma flor de laranjeira, simulando o leve perfume que (parece!), eu senti durante a viagem daquele beijo de despedida…
         02 - Neste estradar ao qual me entrego livre e nu, a música no vento, é teu nome ecoando por entre silhuetas difusas na vertente – uma dança de chegar.
Se me faço noites de espera, não temas – é que às vezes fico a prosear com a Lua –, testemunha silenciosa e cúmplice desses noturnos.
Evitei a poeira da estrada desta vez. Queria o retângulo da janela de um trem que pudesse acalmar esta pressa que me consome sempre que venho – a urgência do teu rosto.
Cheguei trazendo comigo outros desejos: queria pisar, mais uma vez, o caminho da estação até a escola; andar lentamente pela calçada da rua xv; comer um daqueles duplos no “dog do jãjão” – ouvir música de máquina.
         03 - Se você quase explode nesta esteira de tempo, pense em mim, aqui dentro, com a persistência desses grãos de areia que não abandonam minha fronte, que não me deixam esquecer um só minuto – feito uma tortura!
O reflexo que aprisionei como companheiro, não me deixa morrer – vira e mexe vejo um pouco de tuas tranças por entre essas frestas… Dia desses, juro!, consegui flagrar um resto de olhar teu em minha direção – foi quando seu doce de abóbora caiu sobre a renda branca do seu vestido de chita… Lembra?
         04 - Ao pensar na trajetória desse amor, na força que nos moveu até aqui, penso serem minhas as palavras de um poeta de quem se perdeu o nome em minha memória:

Um dia, quando você for bem velhinha
– e eu já não seja mais deste mundo –,
Virei nas asas do vento e farei cair sobre você
Uma chuva de flores
Você estará em sua cadeira de balanço
E perguntará:
“ Meu amigo, é você quem está aí?”
Um dia, quando você for bem velhinha e eu já não seja mais deste mundo
.

quinta-feira, 19 de abril de 2012

Bilhete


Rebento

A tempestade foi um alento...

"Tinha os ombros largos... Os pés acompanhavam os ombros no mesmo ritmo;
porém, os olhos eram diferentes."

Cresceu brincando o pique em mastros e cordas fumegantes.
Marinheiro? – Não. Corsário de tempos híbridos.
O boi-da-cara-preta nem chegava perto.
A mãe lamentava tê-lo retirado daquelas profundezas
"de onde nunca deveria ter saído".

Porém, os olhos eram diferentes.

sábado, 7 de abril de 2012

Bilhete

Amigo

Nesses meus dias tortos... em que há “aquele cheiro de pólvora acompanhando-me até em casa..."

O tempo – denso e pegajoso! –, insiste em duelar com a ânsia como se fosse um gigante escorando um paredão de tortura...

E minha sombra no asfalto, parece vir de outro – fantasmagórica.

Então... não há atalhos.

Ponho-me a vasculhar caixas e gavetas à procura de alguma coisa que não sei... e que me parece, naquele momento, ter mais de duas mãos.

sexta-feira, 30 de março de 2012

O presente de Rosa Montero

O romancista José Manuel Fajardo me contou uma história que por sua vez lhe foi contada por minha admirada Cristina Fernández Cubas, que aparentemente sustentava que era um fato real, algo que havia acontecido com uma tia dela, ou talvez uma amiga da tia. O caso é que havia uma senhora, que vamos chamar por exemplo de Julia, que morava em frente a um convento de freiras enclausuradas; o apartamento, num terceiro andar, tinha uma varanda que dava para o convento, uma sólida construção do século XVII. Certo dia Julia experimentou as rosquinhas que as freiras faziam e gostou tanto que se habituou a comprar uma caixinha, todos os domingos. A assiduidade de suas visitas levou-a a travar uma certa amizade com a Irmã Porteira, que ela naturalmente nunca via, mas com quem falava através da porta giratória de madeira. Conhecendo os rigores da clausura, certo dia Julia contou à Irmã que morava bem ali em frente, no terceiro andar, naquela varanda que dava para a fachada; e que não vacilasse em pedir sua ajuda se precisasse de qualquer coisa do mundo externo, como levar uma carta, ou buscar um embrulho, ou fazer algum outro favor. A freira agradeceu e as coisas ficaram assim. Passou um ano, passaram três anos, passaram trinta anos. Certa tarde, Julia estava sozinha em casa quando bateram na porta. Abriu e se deparou com uma freira pequenina e anciã, muito limpa e enrugada. Sou a Irmã Porteira, disse a mulher com uma voz familiar e reconhecível; anos atrás você me ofereceu sua ajuda se precisasse de alguma coisa de fora, e agora eu preciso. Pois não, respondeu Julia, diga. Queria lhe pedir, explicou a freira, que me deixasse debruçar-me na sua varanda. Estranhando, Julia fez a anciã entrar, guiou-a pelo corredor até a sala e foi para a varanda com ela. Lá ficaram as duas, imóveis e caladas, observando o convento durante um bom tempo. Afinal, a freira disse: É muito bonito, não é? E Julia respondeu: Sim, muito bonito. Dito isto, a Irmã Porteira regressou para o seu convento, provavelmente para nunca mais tornar a sair.
Cristina Fernández Cubas contava essa belíssima história como um exemplo da maior viagem que um ser humano pode realizar. Mas para mim é algo mais, é o símbolo perfeito do que significa a narrativa. Escrever romances implica atrever-se a completar o monumental percurso que tira você de si mesmo e permite se ver no convento, no mundo, no todo. E depois de fazer esse esforço supremo de entendimento, depois de quase tocar por um instante na visão que completa e que fulmina, regressamos mancando para a nossa cela, para o encerro da nossa estreita individualidade, e tentamos nos resignar a morrer.
                        
 A louca da casa, Rosa Montero, Ediouro, pgs. 192-193

sexta-feira, 23 de março de 2012

Era uma vez... (11)

Bolero

Senhora...

Embarquei!

Em meio a um turbilhão de coisas que quase me sufocaram, consegui. Vou levar tempo pra contar tudo... Separe mais algumas garrafas, além daquelas...

Sabe? Entre alguns sentimentos que se apoderaram do meu ser, nesses dias loucos... Um deles ganhou relevo de gratidão: a alegria de saber o tanto de amor que recebi de você... De compreender os riscos que você correu pra poder estar comigo naqueles nossos dias clandestinos... Seu carinho... Sua entrega!

Ah!... Lembra de quando marcamos de dançar um montão de boleros?... E você, aflita, queria saber com qual roupa deveria vir?

Então...

Na minha alegria incontida, queria vê-la num tailleur preto... Camisa branca com botões generosamente distanciados... Calçando aqueles sapatos que provavam que você nasceu malabarista...

Ah! E... Claro...

“A ponta de um torturante band-aid no calcanhar”.

Oh! Deus... Você sorria, acanhada.

...

Bilhete

Naqueles dias coloridos... Quando meu corpo ainda era capaz de suportar as cervejas da sexta-feira, foi que eu vi.
Era desafiador.

Colados nos postes da Vila Madalena:

Procura-se:
“Alguém que seja capaz de amar às impossíveis vísceras!”

quinta-feira, 22 de março de 2012

Era uma vez... (10)


Música

Senhora...

O mar castigou o penhasco... Sem dó!

Acordei sob o encanto de um som singelo: uma flauta transversal, soprada com mestria... Não mexi sequer o mindinho... Nem mesmo abri os olhos... Fiquei saboreando aquele sopro de requintada educação...

Nem o vento apareceu naquela hora morna... O Sol tardaria ainda... Não... Não é que ele deu pra atrasar, não... É que o anel de poluição que enfeia a cidade, não permite.

Música!

Quando por fim, o dia escancarou as janelas, fui olhar as árvores... Vi alguns sanhaços na amoreira da esquina, que brincavam de “primeiro eu...”.

Ah!... Esqueci de te contar: os pardais estão em extinção, juro!... Verdade... (Justo eles, que só perdiam pros pombos!)... Cada vez se vê menos deles por aqui...

Por que será?!

Sim!... João é lindo... E alegre... Basta alguém apontar a máquina e ele já abre o sorriso... E aperta as pálpebras, à espera do flash...

Mostrei pra ele, dia desses, a pequena e bela Antônia, da Cris Lima, na tela da maquininha... Ele colocava o dedo na tela e ria de fazer rir... Uma delícia!

Puxou ao avô, esse menino!

Sim, senhora... Está tudo pronto por aqui... Não, de avião, não!... “De avião, nem a pau, Juvenal!”... Aquilo dá um desengano, são muitas horas ao relento... Vou, não!
Vou mesmo é de navio...

Aproveitar pra reler todos os livros do Conrad.

Agora, espera... Não, não irei numa daquelas “cidades flutuantes”, repleta de gente doida e bêbada, não!
Ah, vem não!... As pessoas morrem de forma estranha dentro daquilo... Nem mesmo aquela escritora famosa explica, tô fora! Só vou se você conseguir me convencer o sentido que há em viajar ao lado de outros 5.733 passageiros.

Explica?

Bilhete

Última-forma


E o meu desejo é que sua loucura se perpetue por entre as dobras do seu tempo inteiro...

Que não haja descanso – porque quero partir.

E... Este é um desejo (só!) meu: sai!

Retire seus braços sonâmbulos do contorno do meu eco. Cai fora!

Suma!... “coisa de mundo neutro”... “negrume de falta”... “gosma de saudade”.

Saia daqui, agora!... De-sa-pa-re-ça!!!

Meu desejo é de que morras no labirinto desse seu embaralhar constante.

Não me tens... Nunca mais! Solidifiquei meu gesto, fui!

(Vazio!).

Pegue seu fiapo de tempo (minúsculo e pueril) – faça com ele seu último nó.

quarta-feira, 14 de março de 2012

Era uma vez... (9)

Chuva Estrangeira

Meu amor é marinheiro
E mora no alto mar
Seus braços são como o vento
Ninguém os pode amarrar.

Quando chega à minha beira
Todo o meu sangue é um rio
Onde o meu amor aporta
Seu coração – um navio.”

Alain Oulman / Manuel Alegre



Senhora?!

Não estou bem. Passei a madrugada tentando curar os arranhões que consegui neste caminhar sonâmbulo pelos labirintos da minha saudade.

Sofro. E a morte (traiçoeira e surda!) não me acode.

Queria ouvir tua voz... Assim, vinda de lugar nenhum – como um telefonema feito de Avignon, entre as muralhas de castelos perdidos na história.

Estou confuso, Senhora... Efeito do vin ordinair, talvez. Ouço Debussy, já que não há, nesses dias absurdos, possibilidade alguma de se ouvir as ondas...

Senhora...

Sabe? Às vezes, consigo ludibriar meu carrasco, e saio à procura do teu vulto... Mas, meu olhar se perde, aqui e ali, enganado pela imagem latente que me habita – minha saudade revela tua silhueta por todas as fendas e sombras das minhas noites embriagadas... Não tem jeito!

Senhora, ontem caiu uma chuva diferente por aqui... Chuva irlandesa. Aquela chuva, Senhora, estava em lugar errado! Ou seria aquela chuva, presságio de devassidão?

Não sei, ainda...

Sei apenas que te guardo em mim...

Sei apenas... (porque me contaram!)... Que, aí, onde agora vives... (disseram!)...

Disseram ser possível surpreendê-la com um olhar estranho... Vigiando o horizonte azul do Mediterrâneo...

Como a esperar...

Bilhete

Rara Felicidade

Ontem, antes da chuva, fui visitar minha saudade... Pisei folhas que exalavam perfumes ancestrais... O tempo deu um tempo e eu pisquei um olho que, somente depois da chuva, conseguiu sugar novamente a luz... E aquele túnel de força e magia trouxe-me o quadro: enquanto flutuava sobre aquele tapete, as folhas entoavam uma canção distante... Dessas que embalam sonhos e mormaços de tempo... Quando me dei conta, todo o meu corpo estava em festa! 

sexta-feira, 9 de março de 2012

Era uma vez... (8)

Meu amor (também!) é marinheiro

Senhora...

Hoje eu acordei com uma estranha vontade: queria ir lá no morro da Petrobras...
E de lá, gritar teu nome, tão forte e tão alto que ecoasse por Maresias, Juquehy, Boiçucanga... que chegasse até Parati.

Um grito assim... daqueles que silenciam trovões... que, chegando em alto-mar, gerasse um tsunami de água morninha para ir acordá-la, molhando bem mansinho teu corpo lindo.

E, de repente, fecho os olhos e lá estou:

Mas...

Consigo divisar, ao longe, na linha do horizonte (teu barco?), velas ao vento!

Voltas?

Se voltares, não esquece: aporte em meu cais.

Se eu puder ser o porto...
As areias...
Quem sabe, senão, até mesmo as pedras,
Poderei ver: Voltas!

Trazes quilhas-carenas de outros tempos...
     – barris de pólvora! –
Camafeus... Rendas... Cortinas de filet... Brocados...

Vontades represadas...
– portos esquecidos! –
Saudades... Lenços de adeus, e lágrimas...

Senhora...

Tenho motores em-ré... espero apenas que este mar me dê um remanso...

Então

(juro!)

largo âncora! 

quinta-feira, 8 de março de 2012

Bilhete

Era uma coisa estranha demais fazer aquele telefonema...
Mesmo assim...

Certo dia... Dia comum... Desses... Ele foi.
Ela não faltaria... E eles brincaram como crianças...

Conversa pra lá, conversa pra cá...
Conversa pra lá, conversa pra cá...

Descobriram – encantados! – que tinham lido Clair de Lune, na mesma época... No mesmo dia!

– Uma notícia no rádio confirmava: “Morreu o Presidente dos Estados...”

Suas almas, crianças, festejaram aquela possibilidade encantadora...

Ela é presença viva...

Ele saudade.

*******************************************

Debussy – (Manuel Bandeira)

Para cá, para lá...
Para cá, para lá...
Um novelinho de linha...
Para cá, para lá...
Para cá, para lá...
Oscila no ar pela mão de uma criança
(Vem e vai...)
Que delicadamente e quase a adormecer o balança
– Psiu... –
Para cá, para lá...
Para cá e...
– O novelinho caiu...

terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

Era uma vez... (7)



“Machado de Assis, esse sim, botou sandálias de Lampião em sua Emma;
 pegadas de sola quadrada pra cabra não saber se Capitu está indo ou voltando.”
                                                                                                                                            
                                                                                                                                      Andréa Del Fuego


Senhora, Capitu, traiu?

...? ( ! ).

Anna, a Karenina de Tolstoi, traiu. Emma, a Madame Bovary de Flaubert, também. Luísa, sabemos, caía de amores pelo Primo Basílio. Débora, descortinada por Ivy Knijinik em Débora fala reservadamente com todos, também traiu, em tempo real e virtual!

Seria correto, senhora, de fato, chamarmos de traição, a atitude de uma mulher apaixonada na busca desnaturada por um pouco de afeto... por carinho e atenção... pelo novo e (quem dera!), possivelmente, derradeiro e verdadeiro amor, seria?

Essas interrogações me fazem lembrar de Sarah. Oh, senhora, ela era casada com Henry Miles – muito bem casada, aliás! – mas, Graham Greene a denunciou em Fim de Caso: Sarah era, na verdade, perdidamente apaixonada por Maurice Bendrix, a quem amou até a hora da morte. Veja só, senhora!

Senhora, o que teria Robert Kincaid, o solitário fotógrafo em As Pontes de Madison, encontrado em Francesca Johnson, naquela tarde quente, numa bifurcação do destino, nos embrenhos de Iowa; apenas uma caipira idiota e só? Será?!

E Francesca, de onde teria extraído a percepção da diferença dos ruídos... dos cheiros e sabores daquela tarde, senão das entranhas da paixão? Aquilo pode ser chamado de traição, senhora, pode?

Elas.

E a senhora?

Oh, minha amada, uma sombra negra e assustadora acaba de pairar sobre nós: o ciúme. Uma sombra que chegou desmanchando os laços da minha tranqüilidade – deu um nó nas pontas deste resto de sonho.

Não sei ainda.

Senhora, esta sombra, pousou suas asas negras sobre minhas têmporas... incendiando meu cérebro, aquecendo idéias absurdas e maldosas. Aconteceu durante nosso último encontro: alguém ligou para seu celular, lembra? Não era seu marido, senhora, não era! Esta afirmação é respaldada em dúvidas – o que a transforma num tormento... numa tortura que vem em forma de formigamento... me toma até a medula. Me fere como uma tortura. Um sofrimento banal, ordinário.

O ciúme, a senhora sabe, é um elevador que "passa lotado" pelos andares do bom senso e da compreensão, indo parar direto na cobertura maldosa do julgamento e da insensatez. Julguei-a, senhora, naquele momento. E, agora, que a solidão e a tristeza invadem meu coração apaixonado, me ponho a lembrar dessas outras mulheres, dessas outras dúvidas, dessas outras "quase-certezas".

Não vou falar dos homens, não. Com ciúmes, agora, basta eu. Ou, simplesmente, nós e os nossos nós.

Bilhete

Promessa


Se minhas asas acomodarem teus braços
Tenha entre os dedos um pequeno lenço
Pois uma delas está a exigir cuidados
Nada muito grave, porém... Sangra teimosa.

Agora...

Se tua mortalha acomodar meu peito...
Tá feito!
Farei teu coração
Bater no mesmo ritmo do meu

E...

A troca...

(oxigênio e plasma: Fluxo / Refluxo)

Fará cumprir a magia do encontro.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

Bilhete

Voo cego

Estamos cansados – você reparou?

Eu sofro ao demorar-me – você sofre por saber que terei de voltar.

Esses oceanos ainda nos mata algum dia – os dois.

Nossos voos-andorinhas tornaram-se desconfortáveis – foi?

(Parece haver um peso a mais sobre nossas asas – isto foge?). *

Será que entre o meu oceano e o seu oceano – Haverá, dia desses,

Uma ilha, pra abrigar nosso ninho?

* (Homenagem ao poeta Romério Rômulo).

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Era uma vez... (6)

Natureza (definitivamente) morta




Oh, minha senhora...

Eu não sabia que vidro de carro com aquela película escura também embaçava. Aquele carro ficou tão pequeno pra nós! Nosso amor clama por mais espaço.

O que nos sufoca nessas horas?

Almoçamos em silêncio, lembra? Um silêncio daqueles que enchem nossas cabeças com estranhos sons que só são possíveis decodificar sob hipnose.

(Tentei falar, mas tive que me ocupar em limpar as cinzas do meu corpo suado – estava saindo chamuscado do olho da fogueira de algo que não quero, não posso e não devo; e que, pela conotação de perigo, num misto de fogo e água, corrói lentamente as margens deste rio, num desmoronamento silencioso. Sei apenas que, se continuar nisso, vou acabar virando um perdido na escuridão dessa tempestade.)

Às vezes, senhora, o amanhã nos engana hoje. Fica um gosto amargo (de fruta verde) na boca. Não adianta a gente espernear, gritar, fazer greve de fome, protestar. Não, não adianta. O amanhã insiste em foder o hoje! Que permanece um grito num ponto oco do abismo da garganta! O corpo tem-se a nítida impressão, decompõe-se em frangalhos retorcidos, numa configuração de horror. A cabeça, contendo apenas olhos esbugalhados do susto, rola na água suja do meio-fio, por entre toda espécie de dejetos dos que pensam viver – essa porcaria de coisa-prisão-matrix, que desce... desce... desce... –, e vai mergulhar morta no meio do nada.

Natureza, definitivamente, morta!

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2012

Bilhete

Na rede


Fui dormir cansado...

Sonhei com ela...

(Não sei dizer se aquele azul que emoldurava o sonho, era a imensidão do mar do poeta, ou se eram os olhos dela sobre os meus...)

Não sei ainda!

Lembro de ouvir sua voz sussurrando com sotaque preguiçoso:

“ – Vixe, ôme!..Não brinque com meus sentimentos!”.

“– Você vai ver o que é bom... Me aguarde!”.

“– Vou é lhe prender em minha rede!”.

“ – E lhe tascar um monte de pronome oblíquo:

“ – EU LHE AMO!... EU LHE AMO!... EU LHE AMO!... EU LHE AMO!...

EU LHE AAAAMMOOOO!!!”.

domingo, 29 de janeiro de 2012

Bilhete

Moenda

(Tim-Tim)


Ora! Permita: –

Eu também atravessei neblinas...
Também naveguei à deriva...
E se fui tolo (perdoa!)
É que a presteza ao leme
Não permitia devaneios...

(Perdoa!)

Mas, veja bem:
Dessa borra amarga, não engulo mais...

Não trago uma única gota sequer dos goles a que fui forçado...
Destilei-os, todos!, na moenda (traiçoeira e solitária) das madrugadas...

O que lhe trouxe?

...

(projeto frágil moldado em argila... a exigir calor).

E... para um brinde,
apenas o licor-de-vida, destilado no Carvalho desses anos todos

– de generosa maturação.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Bilhete

A chuva de Sampa

Acordei com a chuva tamborilando na janela... Chuva maneira: meio baiana, meio carioca... Gostosa!

A música que ela cantava, tinha o elemento suave da preguiça, do fique aí:

saia, não!... vá, não!...

Continuo querendo.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Bilhete

Decisão

Vou rasgar todos os papéis que cobrem tua encenação... Vou desmascarar esta farsa que não convence mais ninguém...

Vou lamber tuas axilas... Teu umbigo... Te fazer cosquinha.

Pode doar seus gatos.

quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O presente de Sandra Brazil – minha amiga.

segunda-feira, 28 de novembro de 2011

Do Blog  http://desafoparacleis.blogspot.com  -A seção "Pensando nos amigos". Hoje é dia de Xico Santos

Hoje acordei pensando em Xico Santos, o editor da resistente Altana.
Estivéssemos em Paris, Altana se chamaria La Resistance, tamanha é a coragem desse editor, desse homem, que enfrenta as agruras das faturas das gráficas, das empresas de papel, das cobranças, dos cobradores, do pagamento da produção, e que nem sempre consegue fazer das tripas coração.

Mas, Xico, não se apoquente, assim é a vida. Nós, mulheres, mais calejadas e mais aparelhadas para absorver e digerir os impactos das agruras da vida, entendemos o que você sente. Se não podemos te ajudar, podemos estar a seu lado, caminhando nesse deserto seco, que às vezes, surpreendentemente, quando menos se espera, numa espécie de milagre, se transforma em flores. Milagres.

Na imagem a escritora francesa Marguerite Duras, membro da Resistência Francesa na Segunda Guerra Mundial.

A Altana resiste. La Resistance. Imagino Marguerite Duras, cigarro numa das mãos, conversando com Xico Santos num café em algum banlieu, e mirabolando planos para levar adiante La Resistance, ou seja, Altana. Marguerite não deixaria Altana desaparecer do mapa, assim como resistiu com os franceses, corpinho magro e boina, distribuindo jornais clandestinos e participando de reuniões clandestinas para mudar o mundo. Assim era Marguerite, pois Marguerite não deixaria, jamais dans la vie, a Altana se esvair...

Pois foi Xico Santos, junto com minha amiga Gizele Santos, os primeiros a me incentivar a mostrar meus textos, isso não esqueço. E foi esse homem, editor da resistente Altana, quem ligou para Lizete Mercadante, editora da revista eletrônica de literatura O caixote, e enviou os textos a ela sem que eu soubesse. Pá! Eles saíram publicados no número 19. Eu engoli sequinho... Gizele passou a bola bonitinho para Xico que fez o gol de placa...

Não fossem os dois, não sei se haveria este blogue.
Pois Xico, o resistente da Altana escreve, lindamente, mas tem vergonha de mostrar, coisas de Xico Santos pirata. Um dia, hei de ver os textos dele publicados em papel, não só aqui na telinha, porque texto bão assim tem que estar em tinta sobre papel, se possível pólen... (Coisa de editora...)

Xico já foi fotógrafo também e cinegrafista premiado, mas esconde debaixo de uma humildade irritante... E seus textos trazem essa sensibilidade de fotógrafo: ele clica o momento, aí traz para o papel o mar de sentimento que só um pisciano poderia... São lindos os textos dele. Tive acesso a um texto sobre sua mãe. Meu coração embargou, não vou esquecer.

Assim como não vou esquecer de Xico e seu jeito de passar a mão na testa quando está envergonhado, ou quando está contente, diz sorrindo: "Tal coisa é assim, caaara!", como se fosse um menino levado.

Caros leitores, este é Xico Santos, que leva adiante A resistente, a Altana, Marguerite Duras ao lado, porque de onde estiver, ela protege os resistentes todos.

Conheçam os textos de Xico Santos. Garanto que vocês não vão querer mais deixar de ler seus textos no blogue: versoeprosa.wordpress.com

Conheçam também a série Folhetim de Ausências, http://www.folhetimdeausencias.blogspot.com/

é imperdível... Este é meu amigo Xico Santos, que espero ver mais vezes, sorrir com ele mais vezes, resistir com ele e Marguerite e ver seus textos cheirando a tinta, breve, se possível.

Xico Santos, que agora vive para Galahad, João e Morgana...