sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Bilhete


Delírio


Então... fui dormir tarde, muito tarde... li e reli aquele seu texto... e é muito louco isso... a loucura de “te procurar" naquela tarde, naquela noite... lembro-me da tua boca... evitava fixar os teus olhos... e havia também minha timidez, sempre presente, o tempo todo a dizer "não!"... “– Não, cara, ela nem te viu!"... e "aquela coisa" a incomodar... ali, pulsando... e a noite, indiferente, digerindo a tarde engolida, indo embora, se lixando pra mim... pro meu tormento... e era doloroso... e eu quieto, revendo uma foto, outra foto... e já não sabia mais se era eu mesmo quem estava ali, ou se aquilo, na verdade, não seria apenas um trecho de filme do Lynch (aquele fiodaputa!), estagnado na memória: você bebendo água numa fonte... aonde mesmo? Roma?... Milão?... Veneza?... Ah, sei lá! no mundo... num mundo sem mim... e eu aqui, baratinado... feito um rebento no cerrado, na caatinga... esperançoso... de quê, mesmo? Sei!: a esperança é um sentimento medíocre!... (será?!)... e como "coisa" que é – a gritar na minha cara que, amanhã pela manhã, quando eu acordar, você ainda estará enroscada em minhas pernas, que eu vou olhar e não vou saber quais são as minhas... e a tua respiração, de tão próxima, vai embaçar as lentes da minha miopia estacionada... e eu vou continuar paralisado, com os olhos afogados em tanta beleza que emana tua boca, que beijei, durante quase toda a noite, feito um louco... e, claro!: sentirei novamente aquele medo sufocante de que pode ter sido apenas um sonho... e vou ficar imóvel, pra que ele não quebre meu corpo extasiado... pra que aquele momento se eternize... e possa fazê-la viva.

Era uma vez... (03)

Perdemos nossos astros


Senhora?!...

Perdemos a Lua. Você a viu? Se viu, lembrou, não lembrou?

Prestenção: a Lua não esquece.

Lembra-se de quantos crepúsculos já perdemos? Foram tantos... de cores variadas... em dias absurdos... belos... enigmáticos... inesquecíveis...

Crepúsculos portenhos – Ah, este azul!

Sim, perdemos um azul-portenho abrindo as portas para noites calientes – azul guardião!

Sim, perdemos alaranjados-caribenhos guardando a bola estupenda de luz e fogo do Sol. Não vimos sequer suas carícias sobre os contornos verdes de florestas-amantes.

Perdemos!

Se nossos pés tocaram areias – foram em mares diferentes. Distantes. Separados pela imensidão.

O Atlântico que me separa de ti é do tamanho exato do Pacífico que não te deixa ver.

Essa distância ainda nos matará. Os dois.

Enquanto você partia, a noite foi esfriando... esfriando... gradualmente. Quanto mais você descia a Tamoios, mais frio ficava. E a Lua, meio triste, foi dormir. Ficou um vazio estranho por aqui... Sabe aquela sensação de amargo na boca? – Voltou! Palavras que não disse. Direi algum dia?

Ficou uma preocupação em mim: teu nervoso. Tua voz embargada. Não estavas bem. Aquele não é jeito de arrumar malas – a gente acaba esquecendo as meias. Aquele não é jeito de pegar estrada – serra, então, nem pensar. Aquele não é jeito de me deixar aqui sozinho.

Quando dei por mim, a noite havia chegado por inteiro... já ia longe – paquerando a madrugada... Não teve jeito, não. Fui forçado a admitir: estava profundamente triste.
Havia uma vontade enorme de beber. Ah, beber! Já descobri que isso, além de não resolver, ainda me põe curvado e com o ego diluído frente à solidão. Aumenta consideravelmente a angústia. Não presta. Descobri que beber, nessas horas, não presta!

Não bebi.

Fui irônico contigo. Não deveria. Olhei apenas pro meu umbigo naquela hora. Ironia é via de mão-dupla... vinculação sacana de enviar uma mensagem – uma perigosa contramão!

Perdoa.

(É que quando se quer dizer e não se diz, o “grito fica parado no ar” e, por não ser sólido, não se desmancha; e por não ser líquido, beber, também não dá. É uma rolha. Entope.)

Você, por seu lado, também não poderia atender ao apelo do meu grito. Ele era puro absurdo em sua conotação de desejo e inconseqüência:

– FICA COMIGO!

Recorro à música, como sempre:

“...
...”

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Bilhete

Fotografei você e não foi com uma RolleiFlex


Acordo e vejo que continuamos com nossas pernas enroscadas... Olho pra um lado, pra outro... E não consigo (ainda!) saber quais são as minhas...

Pra não te acordar fico imaginando sua mini: lembra do dia em que você usou aquela meia preta que chegava até o meio das coxas? – Quase morro engasgado com uma lasca de pão integral estacionado na garganta!

E você sorria aquele sorriso-menina que sempre me diz: “tome tarado, sou tua!”
Ah! Gosto daquela mancha de sarcasmo que surge em teu rosto nessas horas... Parece tatuagem!
Onde diabos você enfia a sua timidez, às vezes?
Ah, não!... Não precisa responder... Acho que sei.

Queria lhe dizer que amei você ter cortado os cabelos assim “Joãozinho, batidinho”... Confere um ar de autoconfiança interminável... Amplia sua foto em mim pra uns 50x60cm... No viewfinder do meu coração.

Já sei! Vou acordá-la sussurrando um segredo de tara minha: “aquele vão entre os botões da tua camisa branca... Quando ele insinua o desenho dos teus peitos, adornados em renda”.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

Era uma vez... (02)

Noite Feliz


Senhora...

Aqui estou debulhando mais um ano... separando cada grão de saudade – aquele que não passar pelo crivo da minha seleção, jogo fora.

Ah, deixa te contar: acordei com a tela da maquininha jogando estática na minha cara amassada... teu imeio ainda estava lá, contando e recontando suas coisas... – “Meu querido!...” – ninando este meu coração apaixonado... Zizi, meio rouca, meio cúmplice, repetindo pela xisézima-terceira-vez do fundo da alma: “te amo e o tempo não varreu isso de mim!”...

(Sabe?... Ontem caiu uma fina garoa por aqui... lembrava mais uma garoa de Primavera... daquelas que zombam do Sol quando vem chegando o Verão...

Fui andar pelas calçadas da Vila, refazer nosso trajeto da última vez... Engraçado, o burburinho dos bares parecia assim... assim... mixado ao fundo das recordações daquela noite... nossas mãos entrelaçadas!


Aquela noite... o que te moveu naquela noite, Senhora... o quê?

Tua voz embargada a dizer que já estavas no finalzinho da serra, quase no planalto...
A casa de praia ficou lá, largada ao som de tacos de bilhar... e copos bêbados... e fumaça de cigarros... e músicas... e,

solidão!

...)

Mas eu falava mesmo era do teu imeio... daquele emaranhado de perguntas, responderei apenas uma:

Sim, eu irei!

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Bilhete

Chegança


Ela chegou assim...
Num sábado de festa... De folguedos e vitórias...
Dia pleno em tempestade de Sol...
Parecia pairar acima da grama do jardim...
Tinha jeito de sonho, mas beirava o real...

Tocou-me imediata... Com espadas de intenções!
O sorriso parecia ter sido resgatado de algum bosque da infância...
Aonde, algum dia, a felicidade foi demais...

E sobrou...

Porque não se anda com um sorriso daqueles pra lá e pra cá...

 Mesmo sob tempestade de Sol.

Nos olhos havia restos de dança lasciva de outros séculos...

Parecia sonho, juro... Mas os açoites singravam em direção ao real.

Quis tocá-la, ela refutou:

“– Não deves tocar-me... Ainda não!”

“– Somente poderás fazê-lo, quando for irremediável.”

terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Era uma vez...


O desenho dela

Oh, minha senhora,
eu vos amo tanto
que até por vosso marido
já sinto um certo quebranto.

(Mário Quintana)




Dia desses, um amigo mineiro – tão bão ter esse amigo; tão bão ele ser mineiro. Então, dia desses, ele te viu: te apontei na rua.

Silencioso “(como convém a um bom sujeito mineiro)”, ficou por longo tempo coçando distraidamente a barba. Quando eu mesmo já havia diluído tua passagem, ele comentou entre os dentes, muito de mansinho: “Bem desenhada, ela”.

Aquele comentário me fez lembrar a primeira vez que te vi. Do teu contorno de deusa inundando as retinas dos meus olhos. Desenhando vontades; mapeando curvas de desejos; descortinando canyons de êxtase.

(Eu chegava de longe, lembras? Havia atravessado desertos – uma travessia desnaturada, sobrevivendo do ato absurdo de chupar recordações mortas – estava vazio… opaco… seco mesmo. Lembras? Lembras que chegastes a comentar sobre a fábula do filme O paciente inglês: “Às vezes a gente atravessa todo o deserto atrás do nosso grande amor, e o reencontramos morto”).

Teus olhos – tâmaras! –, foram me alimentando lentamente com o néctar de outros tempos. Viestes com cuidados ancestrais e eu não tive tempo. Me debati, claro. Tentei rodeios; inventei razões; falei de desacertos; cantarolei músicas inaudíveis; amarelei gestos…

Tentei conter. Não consegui. A inundação foi inevitável!

Agora, o que realmente faz do outro lado um simples vazio idiota, é essa tua ausência de mulher casada.