terça-feira, 12 de junho de 2012

Era uma vez... (12)

 Antigas manhãs com neblina

Senhora,

Estou chegando...

Sim, achei os envelopes que voltaram enquanto você partia... São quatro:

            01 - As manhãs de agora têm brindado minha saudade com uma neblina daqueles dias. As festas se foram e não temos mais a quadrilha consentindo minhas mãos em tua cintura, nossos dedos entrelaçados; as carícias e o encantamento de nossos olhares…
Estou estranhamente tranquilo, aqui, sozinho, varrendo os subterrâneos da memória; tirando o pó, colocando toalhinhas de linho branco (engomadas pela esperança) sobre as estantes do pensamento… Aonde colocarei tanta coisa, meu Deus?!
Na estante que separei pra você, coloquei uma flor de laranjeira, simulando o leve perfume que (parece!), eu senti durante a viagem daquele beijo de despedida…
         02 - Neste estradar ao qual me entrego livre e nu, a música no vento, é teu nome ecoando por entre silhuetas difusas na vertente – uma dança de chegar.
Se me faço noites de espera, não temas – é que às vezes fico a prosear com a Lua –, testemunha silenciosa e cúmplice desses noturnos.
Evitei a poeira da estrada desta vez. Queria o retângulo da janela de um trem que pudesse acalmar esta pressa que me consome sempre que venho – a urgência do teu rosto.
Cheguei trazendo comigo outros desejos: queria pisar, mais uma vez, o caminho da estação até a escola; andar lentamente pela calçada da rua xv; comer um daqueles duplos no “dog do jãjão” – ouvir música de máquina.
         03 - Se você quase explode nesta esteira de tempo, pense em mim, aqui dentro, com a persistência desses grãos de areia que não abandonam minha fronte, que não me deixam esquecer um só minuto – feito uma tortura!
O reflexo que aprisionei como companheiro, não me deixa morrer – vira e mexe vejo um pouco de tuas tranças por entre essas frestas… Dia desses, juro!, consegui flagrar um resto de olhar teu em minha direção – foi quando seu doce de abóbora caiu sobre a renda branca do seu vestido de chita… Lembra?
         04 - Ao pensar na trajetória desse amor, na força que nos moveu até aqui, penso serem minhas as palavras de um poeta de quem se perdeu o nome em minha memória:

Um dia, quando você for bem velhinha
– e eu já não seja mais deste mundo –,
Virei nas asas do vento e farei cair sobre você
Uma chuva de flores
Você estará em sua cadeira de balanço
E perguntará:
“ Meu amigo, é você quem está aí?”
Um dia, quando você for bem velhinha e eu já não seja mais deste mundo
.