quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

Era uma vez... (6)

Natureza (definitivamente) morta




Oh, minha senhora...

Eu não sabia que vidro de carro com aquela película escura também embaçava. Aquele carro ficou tão pequeno pra nós! Nosso amor clama por mais espaço.

O que nos sufoca nessas horas?

Almoçamos em silêncio, lembra? Um silêncio daqueles que enchem nossas cabeças com estranhos sons que só são possíveis decodificar sob hipnose.

(Tentei falar, mas tive que me ocupar em limpar as cinzas do meu corpo suado – estava saindo chamuscado do olho da fogueira de algo que não quero, não posso e não devo; e que, pela conotação de perigo, num misto de fogo e água, corrói lentamente as margens deste rio, num desmoronamento silencioso. Sei apenas que, se continuar nisso, vou acabar virando um perdido na escuridão dessa tempestade.)

Às vezes, senhora, o amanhã nos engana hoje. Fica um gosto amargo (de fruta verde) na boca. Não adianta a gente espernear, gritar, fazer greve de fome, protestar. Não, não adianta. O amanhã insiste em foder o hoje! Que permanece um grito num ponto oco do abismo da garganta! O corpo tem-se a nítida impressão, decompõe-se em frangalhos retorcidos, numa configuração de horror. A cabeça, contendo apenas olhos esbugalhados do susto, rola na água suja do meio-fio, por entre toda espécie de dejetos dos que pensam viver – essa porcaria de coisa-prisão-matrix, que desce... desce... desce... –, e vai mergulhar morta no meio do nada.

Natureza, definitivamente, morta!

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