sexta-feira, 30 de março de 2012

O presente de Rosa Montero

O romancista José Manuel Fajardo me contou uma história que por sua vez lhe foi contada por minha admirada Cristina Fernández Cubas, que aparentemente sustentava que era um fato real, algo que havia acontecido com uma tia dela, ou talvez uma amiga da tia. O caso é que havia uma senhora, que vamos chamar por exemplo de Julia, que morava em frente a um convento de freiras enclausuradas; o apartamento, num terceiro andar, tinha uma varanda que dava para o convento, uma sólida construção do século XVII. Certo dia Julia experimentou as rosquinhas que as freiras faziam e gostou tanto que se habituou a comprar uma caixinha, todos os domingos. A assiduidade de suas visitas levou-a a travar uma certa amizade com a Irmã Porteira, que ela naturalmente nunca via, mas com quem falava através da porta giratória de madeira. Conhecendo os rigores da clausura, certo dia Julia contou à Irmã que morava bem ali em frente, no terceiro andar, naquela varanda que dava para a fachada; e que não vacilasse em pedir sua ajuda se precisasse de qualquer coisa do mundo externo, como levar uma carta, ou buscar um embrulho, ou fazer algum outro favor. A freira agradeceu e as coisas ficaram assim. Passou um ano, passaram três anos, passaram trinta anos. Certa tarde, Julia estava sozinha em casa quando bateram na porta. Abriu e se deparou com uma freira pequenina e anciã, muito limpa e enrugada. Sou a Irmã Porteira, disse a mulher com uma voz familiar e reconhecível; anos atrás você me ofereceu sua ajuda se precisasse de alguma coisa de fora, e agora eu preciso. Pois não, respondeu Julia, diga. Queria lhe pedir, explicou a freira, que me deixasse debruçar-me na sua varanda. Estranhando, Julia fez a anciã entrar, guiou-a pelo corredor até a sala e foi para a varanda com ela. Lá ficaram as duas, imóveis e caladas, observando o convento durante um bom tempo. Afinal, a freira disse: É muito bonito, não é? E Julia respondeu: Sim, muito bonito. Dito isto, a Irmã Porteira regressou para o seu convento, provavelmente para nunca mais tornar a sair.
Cristina Fernández Cubas contava essa belíssima história como um exemplo da maior viagem que um ser humano pode realizar. Mas para mim é algo mais, é o símbolo perfeito do que significa a narrativa. Escrever romances implica atrever-se a completar o monumental percurso que tira você de si mesmo e permite se ver no convento, no mundo, no todo. E depois de fazer esse esforço supremo de entendimento, depois de quase tocar por um instante na visão que completa e que fulmina, regressamos mancando para a nossa cela, para o encerro da nossa estreita individualidade, e tentamos nos resignar a morrer.
                        
 A louca da casa, Rosa Montero, Ediouro, pgs. 192-193

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